Imaginem que daqui a 1000 anos, os arqueólogos do futuro desenterram as ruínas de uma qualquer igreja católica e descobrem treze representações de divindades que se julgam terem sido importantes na já desaparecida religião cristã. Não havendo inscrições que tenham sobrevivido que descrevessem o nome e características destas figuras, decidem nomeá-las pelas letras do alfabeto. Foi exactamente isso que Paul Schellhas fez em 1904 em relação a uma série de divindades maias, algumas das quais foram entretanto reconhecidas, mas outras continuando sem tradução até hoje.

Uma dessas divindades, o chamado deus L, de aparência anciã, é uma figura proeminente na iconografia do Período Clássico Maia, com os seus ornamentos de jaguar, o seu cigarro característico e o seu chapéu largo. Identificado como sendo o Senhor do Inframundo, o seu nome original iludiu até agora os estudiosos. Investigações recentes de textos em cerâmica, e de representações em Palenque e Cacaxtla, sugerem que esta divindade seja associada a B'olon Yokte' K'uh, a mesma que é referida no monumento 6 de Tortuguero, numa inscrição acerca do fim do 13º baktun. É também identificado como estando representado no "Vaso dos Sete Deuses".

O nome B'olon y-Ok pode ser traduzido como "Nove são os seus passos" ou "Nove são os seus pés" e B'olon Yokte' K'uh é muitas vezes encarado como um nome colectivo, referindo-se a um grupo de 9 divindades, que seriam os Senhores que governam os 9 níveis do Inframundo, grupo este que é comunmente referido nos textos proféticos de Chilam Balam e associado à prática da guerra e do sacrifício. No Códice de Dresden, aparece a atacar com uma faca o desarmado deus N.
O deus L é também interpretado como sendo a némesis do deus do milho (ressuscitado na primavera) e aquele que governa a parte mais negra do ano, dedicada a trocas comerciais de longa distância, conquistas militares e a colheita de cacau de inverno e foi representado por vezes como um escorpião negro, com as mãos erguidas para o céu como as garras do escorpião.
É assim uma figura essencial no mito da criação do mundo, sendo que o seu culto parece ter sobrevivido até hoje na figura em madeira de Maximon, adorado por exemplo em Santiago de Atitlán e que, no Período Pós-Clássico, se acreditava ser aquele que presidia aos cinco dias finais do ano (Wayeb) e o qual era ritualmente morto, desmembrado e amarrado no final desse período, de modo a permitir a entrada do Ano Novo.
Estará aqui a chave de uma possível interpretação da inscrição no monumento 6 de Tortuguero? Será este deus uma encarnação da eterna luta entre as trevas e a luz, que está sempre presente, mas que será mais evidente nas transições entre grandes ciclos do universo? Será o fim do baktun uma reencenação a grande escala daquilo que acontece todos os anos na Terra e que permite que a Humanidade continue a viver com base no que essa mesma Terra, regenerada e ressuscitada, lhe fornece?

Ou, dado o carácter declaradamente negro desta divindade, teremos nós algo a temer da sua manifestação no dealbar desta nova época que se iniciará a 21 de Dezembro de 2012? Mesmo acreditando neste caso, o certo é que, se há alguma mensagem da religião maia que sobreviveu até aos nossos dias, é que a Natureza e o Homem vivem em ciclos de criação, destruição e renascimento. E tal como podemos ler no excerto do livro de Chilam Balam de Tizimin que apresentamos no início da nossa crónica, mesmo no meio da tormenta nunca esmorece a esperança de um novo dia, de um futuro melhor.
O fascínio que milhões de pessoas têm pelas profecias maias parece mostrar que muitos anseiam por um novo início, uma época de regeneração. Será isso possível sem destruição? Será possível a luz ser reconhecida sem antes terem sido as trevas a dominar a face da Terra? Tal como toda a mãe bem o sabe, não há nascimento sem dor. E sem sacrifício, não há obra...
Chegamos ao fim da nossa série de crónicas acerca da profecia maia de 2012 com muitas mais questões do que respostas. Será que um dia o sentido da profecia será revelado? Pela sua própria natureza, uma profecia é escrita e transmitida de forma velada, encriptada e enigmática. Talvez cada um de nós encontrará em si mesmo o sentido e a importância que quer dar à profecia. E cada um de nós encontrará a sua resposta, na medida do que procurou. Pois tal como outro Profeta o disse, dirigindo-se aos seus discípulos:
"Por isso lhes falo por parábolas; porque eles, vendo, não vêem; e, ouvindo, não ouvem nem compreendem. E neles se cumpre a profecia de Isaías, que diz: Ouvindo, ouvíreis, mas não compreendereis; e, vendo, vereis, mas não percebereis. Porque o coração deste povo está endurecido, e ouviram de mau grado com os seus ouvidos, e fecharam os seus olhos; para que não vejam com os seus olhos, e ouçam com os ouvidos, e compreendam com o coração, e se convertam, e eu os cure. Mas, bem-aventurados os vossos olhos, porque vêem, e os vossos ouvidos, porque ouvem. Porque em verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vós vedes, e não o viram; e ouvir o que vós ouvis, e não o ouviram."
